domingo, 20 de janeiro de 2008

Cada verso
é um segredo
que o poeta
não esconde.
Só a si próprio.

Inventa sim
Quem o descubra
Quem o sinta
Mas ele não
nunca o sente.

Porque não sabe
o que sentir
o que esconder
o que se esconde.
Mas ele sente.

Assim escreve
e o seu segredo
esconde no verso.
Que segredo então?
O que não é dele.

Guerra minha

Desengano-me e penso
Em ser frio, espartano
Fleumático, mau, tenso.

Mas pensamento é engano.

Porque não consegui
Fazer gelar meu sangue
Cruel, de ódio a ti?

Porque minh'alma é exangue.

Sorrio, sinto as dores
De guardar mil sorrisos
Raiva! Saiam amores!

Nunca mais! Não são precisos.

Mas tudo vem co'aurora
E olho o céu e espero
Por quem eras, outrora.

Raios! Não quero! Não quero...

Palavras Torpes

Se um dia me achares
Calado, não me fales.
Olha-me só.

Escuta-me agora. Será esse o dia
Em que me cansarei
De tentar falar-te.

Olha-me perto. Em meus olhos nus
Verás despidas, moribundas,
As palavras mentirosas que te disse.

Encerro-os tristes. Não percebes.
Continuas a fixar-me nos lábios
Torpes. Acreditas neles.

Abro-os de novo. Foste-te embora.
Julgas que a minha ilusão não és tu
Nem que a tua verdade é a minha.

E eu levanto-me. Há que falar de novo.
Até um dia calado me achares
Escorrendo torpes palavras dos olhos.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Ocaso

À luz do ocaso
Todas as coisas
Se tornam sombras
E as sombras, essas
Tornam-se seres.

Tudo fulge e repousa
Nesse leito de sombras
E as coisas sabem-no bem
Vivem morrendo nesse leito
Como se não fossem coisas.

Respiram a luz num sussuro
Entoando suaves, quietas
O doce adagio do crepúsculo
Despedindo-se do ocaso
Que as tornou sombras.

Agora o doirado arrefece
E as sombras jazem sós
Elas querem repousar no seu leito
Mas voltam a ser coisas
E as coisas anoitecem.

Já não são seres
São apenas coisas.


Gonçalo Limpo de Faria, Outubro de 2007

Bálios

Nobre galopas no vento
Pesado, galopas leve.
Outrora turvo céu cinzento
Galopas branco, pura neve.

Nada respiras, apenas
Sussuras o que o vento tem.
Promessas vãs, tuas serenas
Suaves crinas de ninguém.

Passas breve como ausente
Tempestade em fracos mares
Sem quereres, deixas somente
O teu plúmbeo rasto, meus azares.

Se galopas e nada és
Leva-me só, Bálios de Peleu
A Neptuno, às fortes marés
Roubei-te o nada, é todo meu.


Gonçalo Faria, Novembro de 2007

Némesis

Némesis, quem te chama?
Tua mãe, a noite mansa?
Ou essa tua vil flama
Sedenta, morta, de vingança?

Teus olhos. Quem procuras?
Fica assim, contigo só
Afasta amores, essas loucuras
Da Vénus pérfida, sem dó.

Porque mentes? Porque choras?
Ninguém verá o teu rosto
Perdes vida, tuas horas
Anoiteces em desgosto.

Veio o sol? Entrou o dia?
E tua mãe, a noite mansa?
Desvaneceu, nada jazia
Só tu, morta, de vingança.


Gonçalo Limpo de Faria, Dezembro de 2007

Noite

Acordo. Anoitece.
Abro a janela. É lua cheia.
Ela sorri o teu sorriso.
Fechei-a.

Fico só. Apenas sombra.
Sombra não chora o teu elogio.
Vejo-me em ti mera incerteza.
Sorrio.

Ilusões! Demais durmi.
Os sonhos têm o teu odor.
Acordei. Não posso cheirar
Amor.


Gonçalo Limpo de Faria

Trovoada

Todos os meus sonhos
Subiram ao céu um dia.
Foi quando trovejou.

Aí esvaíram-se, em relâmpagos.
Que rasgaram as nuvens, tantas nuvens!
Em luzes que nunca tinha sonhado.

Trovejei também, sem o saber.
Num trovejar que não se vê nem faz barulho.
Que irradia luz e se sente em silêncio.

Não desejei o céu limpo, nem o azul celeste
Apenas um pranto cinzento à chuva.
Em que os meus sonhos caíssem e eu os visse.


Gonçalo Limpo de Faria