sábado, 11 de outubro de 2008

Alma

Entre um olhar e a alma
Está um instante
Apenas um

Em que a pupila cruza o negrume
De um estranho fulgor inocente
E o quebra e o trespassa
Docemente, subtilmente

Em que o abismo cede
A ponte baqueia
E a íris estremece
Na cor fremente, cheia

Em que a pura nascente
Cai num pranto suave
Sorrindo levemente
Sem engodo, sem entrave

E na claridade de um reflexo
Sereno, qual lágrima escorrida
Nele assim encontro, perplexo


A tua alma sem vida


Gonçalo Limpo de Faria, Junho de 2007

Ser

Nada do que é
se transparece
apenas anoitece
e deixa de o ser

Tudo o que é
é um espelho
escuro e velho
do que seria
se fosse algo

E o reflexo
é só e sim
algo sem nexo
é o que queremos
que seja

Ficam assim
os meros acasos
simples e rasos
do será, terá sido


Gonçalo Faria, Julho 2007

Agora

Agora
Chamo-as lassas
As palavras de outrora.

Agora
Choro pedras
O coração as devora.

Agora
Adormeço surdo
Esqueço a aurora.

Agora
Contorço-me à dor
Que o meu ser ignora.

Agora
Calei a alma
Fugiu, foi-se embora.


Gonçalo Faria, Setembro de 2007

Findo

De minha sorte
lamento apenas
os amargos poemas
que choraram de morte

por eles me ouvi
chorando, morrendo
traído, entendo
que era por ti


Gonçalo Faria, Setembro de 2007

Estás só, vagabundo

Estás só e cansado, vagabundo
Do silêncio vago, indiferente
Silêncio dos outros, que te mente
O duro silêncio, o do mundo

Abafá-lo? de nada te serve
Falares do amor, do sol quente
Nem da paixão voraz, que te ferve
Não neste silêncio indiferente

Escutas o nada, é todo teu
Tão só estás, nem solidão tens
Apenas o que a alma perdeu
Ilusões com que te entreténs

Quem vai ouvir-te? Ninguém é fundo
Do que Ele sonha, do que sente
Só o teu silêncio, indiferente
Malvado silêncio, o do mundo!


Gonçalo Faria, 5 de Outubro de 2007

Achei-me ali

Achei-me ali
de nada sorria.
Estendido ao sol do dia
Olhava cego, para ti

Mirava esse teu mundo
Que de meus olhos, nada tem
Eles são um mar largo e fundo
Sem corrente, sem ninguém

Em tempos brilharam, vazios
Encontrando teus doces mares
Mas despedidas e azares
os desfizeram, em mil rios

Assim morreram. Sós. Parados.
Espelhando o céu e a brisa
Flutua o nada em bocados
Os que a paixão cristaliza

E a sorrir, ali achei
Sobre a noite e o espelho estendido
O meu mar ondeando. Fingido?
Talvez triste, nem eu sei.


Gonçalo Faria, Outubro de 2007

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Rugas e Fugas

O coração bate velho
De tão novo estar ainda.
Tem rugas de ser mágoas
As que a memória não finda.

Das ânsias que não esvaiu
As paredes paradas perecem.
Por vezes agitam, desenfreadas!
Mas com as rugas nada tecem.

O sangue corre em cascata
Nas valas de poeira e de nada.
O compasso do sino soa lento.
A música, essa, é sonhada.

Bate velho, bate novo.
Novo demais! Fresco, vazio.
Mas lá dentro, na poeira e no nada
Sinto, espero, vivo e rio!


Porque oiço a música sonhada
Que me levará deste leito frio.



Gonçalo Limpo de Faria, Outubro de 2008

Caiu uma estrela

Caiu uma estrela.
Pedi ao céu um desejo
Mas o desejo caiu com ela.

Pensei que o tinha levado
A estrela.
Mas caiu em mim também.

E a face da noite era a minha face
E os meus olhos luas cheias
Esperando a promessa do céu.

Até que as luas ficaram novas
E mais estrelas caíram.
Esperei nelas o meu desejo.

Senti-o quente caindo.
Estranhava, não o consegui ver.
Minha face! Caía das luas cerradas.

Enxuguei triste o desejo.
Quis que jamais caíssem
As estrelas.

Mas, assim querendo,
Já um novo desejo caía do céu.


Gonçalo Limpo de Faria, Agosto de 2008